
O que que a gente faz, quando tenta se manter fiel a si mesmo, e por conta disso não é compreendido pelos que estão à nossa volta? Tenho uma amiga que é evangélica. Mas não daquelas clássicas, que vêm à mente quando pensamos no assunto. Ela estuda na mesma Universidade e está pra se formar. Gosta de natureza, hiking, essas coisas e bebe uma cervejinha no finde. Namora quando quer, e apesar de se sentir um pouco culpada por certas "paixões do mundo" que ainda a encantam, não deixou de ser minha amiga só porque sou gay.
Ultimamente temos conversado bastante sobre a homossexualidade. As vezes olho pra ela, falando sobre o que pensa, mas não consigo enxergá-la: vejo apenas um amontoado de ideias batidas, velhas, que teimam em subir pela garganta e sair pela boca, como que uma verborragia incompreensível. Ela me diz que tenta me salvar do inferno. Eu rebato dizendo que aprecio a honestidade dela, mas que tenho minhas próprias convicções. Desde ontem temos trocado e-mails, cada qual puxando a brasa pra sua sardinha e me parece que por mais que tente fazê-la raciocinar um pouco além, ela fica cada vez mais presa aos seus "dogmas". Ontem, ela me mandou um anexo com um livro chamado "A Divina Revelação do Inferno", pois existem partes onde a autora comenta sobre os gays que "moram" em partes do "coração do inferno". Jurei pra ela que vou ler o texto todo, apesar de saber que vão ser longas 106 páginas de pura besteira.
Eu tento me manter fiel ao que penso, principalmente depois que ouvi um amigo dizer que as epssoas não o compreendem porque ele fala tudo "na lata", e ele retruca dizendo que ele é que não compreende quem pensa ou fala algo e faz outra totalmente diferente. É interessante pensar nisso: somos seres sociáveis, programados pra nos sentir felizes e seguros somente quando pertencemos a um grupo e por isso acredito que muitas vezes mudamos opiniões ou atitudes somente pra ainda pertencer a este grupo.
Quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, me lembro de ser um dos párias da turma da escola. Eu não entendia bem o porquê disso tudo, mas analisando hoje em dia, percebo que é até bem simples: eu não conversava com os garotos, porquê achava a trinômio mulher-futebol-carro extremamente desinteressante, e as garotas não me aceitavam, porquê "não existe amizade de homem e mulher". Isso me causava um desconforto enorme! Eu era depressivo, porquê buscava a aceitação do meu grupo e não conseguia. Resultado é que me isolei, e me sentia seguro somente no meu quarto. Achava que estava perdendo a melhor fase da minha vida, onde todos da escola iam pras baladas, namoravam, se divertiam, e eu ficava preso em casa. Mas depois que me mudei pra Belo Horizonte pra estudar, percebi um mundo infinito de possibilidades, de nuances, de diferentes formas de existência e que não necessariamente eu teria que me adaptar aquele tipo de grupo que existia na escola pra que eu pudesse ser feliz. Descobri pessoas como eu, amei e fui amado, sofri e fiz sofrer, fiz boas e más amizades, caí, machuquei, levantei, enxuguei a lágrima e segui em frente (faço isso até hoje). Fui sendo moldado, de forma que aprendi a selecionar com quem me relaciono. E até por conta disso me tornei um pouco anti-social, não conseguindo aturar certos tipos de pessoas. Descobri que posso ser fiel a mim mesmo, que posso ter minhas opiniões e mesmo desagradando muita gente, descobri o principal: isso me faz ser feliz. Continuo batendo na tecla de que ser gay não é errado. Cada um pode ter sua opinião pessoal, mas que isso não interfira nas relações. Algumas vezes me pronunciei no trabalho a esse respeito e sei que não fui bem compreendido por alguns. Mas não ligo, sigo em frente com a cabeça erguida. Olho pra trás e vejo que sou abençoado, por sofrer tudo o que sofri, pra me tornar o homem que sou hoje.